segunda-feira, 28 de julho de 2014


ESPELHO

 

A brusca experiência de olhar para o espelho e encontrar aquele velho palerma. Retire-se a surpresa e fica-nos a crua medida do ser. Ali. Em frente. Frente a frente. O que te diz que não saibas? Em que te podes enganar? Tens o silêncio, é bem certo. Tens tudo o que te queiras dizer. Finalmente tu mirando todo tu. Acerto de contas há muito adiado. Diálogo surdo com verdade muda. Realidade confusa do que tens sido tu para contigo. E a sacana da certeza que afinal até sabes de tudo. Desse aí em frente e portanto de ti. E afinal isso não chega. Diz pouco, quase nada. Pois em verdade serás sempre mais versões de ti face a todos, um a um, quantos te conhecem. Bem o sabes. Por vezes sem supores o que sabem secretamente de ti. Absolve-te ou condena-te. Depois podes sair da tua frente e voltares para as voltas do mundo. Mas lava a cara pelo menos…

domingo, 27 de julho de 2014


MOMENTO MEMENTO

Despojado do orgulho que tantas vezes me caracteriza

Tenho a dizer a quem por vezes comigo se harmoniza

Que o que importa nem é tanto o que nos propomos

Mas antes tornar vivo o sonho que temos no que somos

Para que cada instante seja mais fruto do presente

E cada nosso gesto participe desse florescer da semente

Que o tempo acarinha e leva leve como pano de fundo

Envolvendo as teias e as histórias que perfazem o mundo

E o mais que a existência encubra em si acaba-se revelando afinal

De modo a que o sentido da vida seja mais profundo e certo e real

SULturas II

Pasquim regional de incontinência mental

(renascido e ainda com periodicidade imprevista)

Este pasquim foi escrito ao abrigo da insurreição contra a paspalhice dos criadores da cacaborrada do acordo ortográfico.

EDITORIAL

Há uma forte componente intelectualmente masturbatória no acto de ler. E isso implicará sempre manusear e manejar o objecto lido. Confesso que nos dias de hoje recorro à informação disponível à borla na net para saber as voltas que o mundo dá, quando até me disponho a pensar no mundo – essa coisa estranha e distante e gigante, mas reconheço em verdade que o gozo supremo reside em adquirir jornais reais e revistas que tais, de folhas de papel e tudo como convém e sabe bem. Isto vem muito a propósito de uma conversa com uma amiga que me ditava a morte anunciada da imprensa escrita no seu formato tradicional, quando lhe revelei a intenção de vir a criar uma edição em formato impresso de magazine criativa, cultural e informativa. Sou conservador expliquei e tenho como presente a função e a projecção do elemento de comunicação escrita como algo historicamente impresso (vénia ancestral a Gutenberg) e guardável como objecto de culto e por vezes de fetichismo também. Acontece-me com os livros e outras publicações óbvias. Posto isto, por muita invenção virtual para os escritos que se faça agora e futuramente, não deixarei de ter presente o meu onanismo filosófico e o dos meus congéneres intelectualmente compatíveis, nesta saga do desmoronamento de formas de exprimir o pensamento e da decadência do conteúdo de pensar aviltado por comunicações menores. O mundo mudou explicam-me. Eu não mudo, avanço.

Este post publicado anteriormente no facebook será paradoxal face a esta edição online. Coisas da vida e dos seus pormenores pindéricos impossibilitando a edição em papel. No entanto este percalço não invalida nem retira nada a tudo o que atrás disse.  Projectei e anseio a saída para a rua, rua real com gente em espírito de festa e de lua sorrindo no topo, de um magazine de maior abrangência que o SULturas. Talvez até o pasquim passe a ser um filhote canguru dentro deste. Por agora restou-me esta evidência computorizada para que não me engasgasse em estertor de incontinência mental. E a expressão é cada vez mais correcta em universo de obstipados culturais ou flatulentos institucionais.

Num formato de blog como este, serão publicadas as páginas que constituem a coisa. Dia a dia, uma ou mais, e como tal ficarão em ordem inversa cronologicamente. Amanhem-se se fazem o favor pois continuo a gostar de vós queridos leitores. Uma revolução sempre se fez com persistência, irreverência, pujança, confiança, vinho e amor. Bem hajam.

sábado, 26 de julho de 2014

O SULturas - pasquim regional de incontinência mental, passa à versão virtual pelos evidentes motivos pindéricos do mundo actual

Há dez anos era esta a nossa declaração de princípios, mantém-se e resiste, férrea e granítica.

DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS
O SULturas existe para providenciar uma certa higiene mental aos seus leitores. Há que evacuar com método a treta que nos dão a comer por todos os lados. O nosso editor tem, no entanto, outras formas de exercitar a sua higiene mental além da feitura do pasquim. Ler, sonhar, pensar, beber vinho tinto, ouvir música a sério, dar quecas sinfónicas ou incomodar gente que não presta, são tudo formas de obter uma decente higiene mental. A higiene mental é uma coisa muito importante. Quando não há higiene mental pode-se ficar como a maioria dos seres. A maioria dos seres existe para dar cabo do gozo das coitadas das minorias e de outros seres ainda mais solitários. O nosso editor, por seu lado, está-se cagando para isso tudo.
O SULturas é um bem comum e como tal não custa dinheiro aos leitores. Os leitores apenas têm de olhar para as páginas dos patrocinadores para que estes fiquem felizes. Os patrocinadores quando ficam felizes, patrocinam. Os patrocínios são muito bem-vindos e a nossa conta bancária agradece também. O dinheiro faz milagres. A saída para a rua de mais um pasquim é um milagre renovado. O nosso editor, por seu lado, está-se cagando para isso tudo.
O SULturas não gosta de vasculhar a vida dos outros. A vida dos outros é uma coisa sem interesse, excepto, eventualmente, para esses mesmos outros. Para vasculhar a vida dos outros já existem muitas merdas de publicações. Se os outros não existissem, não me divertia tanto, nem fazia este pasquim. Há, portanto, utilidade para os outros. Digamos que os outros são a manteiga para o pão da nossa existência, embora eu não me canse de pedir paté, sem nunca o obter. O nosso editor, por seu lado, está-se cagando para isso tudo.
O SULturas preocupa-se com o andar caquéctico do Mundo de hoje. O Mundo de hoje continua a ser uma colossal merda antiga cheia de modernices. As modernices são coisas geralmente comercializáveis. As coisas comercializáveis são quase todas de grande inutilidade e de mau gosto. O mau gosto é uma constante em todas as manadas de seres humanos. Experimentem estar lúcidos e vejam as quantidades de porras que nunca comprariam se fossem sempre lúcidos. A lucidez serve apenas para descascar a realidade. É claro que a realidade também é uma grande trampa e ainda por cima é subjectiva. Ser parvo perante a realidade, sempre foi mais divertido. Ser divertido em língua inglesa é ser gay. Ser gay é uma paneleirice duma modernice. O nosso editor, por seu lado, está-se cagando para isso tudo.
O SULturas é uma forma de evitar que o nosso editor se interne permanentemente num hospício. Num hospício há tranquilidade com ausência de conversas de merda e há enfermeiras à ganância, em contrapartida não há adega nem bar. O nosso editor pensa que seria de grande salvaguarda de talento humano, a criação de um mega-hospício em zona ampla e de imensos recursos, rodeado de um campo minado para afastar parentes e outros entes, e onde conviveriam em plena luxúria todos os seres que sabem pensar e que concluíram que pensar, sendo um exercício tão inútil como tudo o resto, apenas deve ser executado por uma questão de gozo. Na impossibilidade actual de tal projecto se concretizar, é claro que o nosso editor só poderia estar-se cagando para isso tudo.