sábado, 16 de junho de 2018

AFINAL O QUE HÁ


Há aquele “ping” inicial do Echoes do Meddle dos Pink Floyd que me começa a arrepiar
Há portanto a geração catastrófica e caoticamente bela, à qual pertenço por esse facto
Há a tristeza nos teus olhos de mel que me traz lágrimas prontas
Há o sorriso da minha gata pela manhã que me faz lavar os dentes
Há a monotonia das ondas do mar que mesmo contrariado me embala
Há o Sol, esse mesmo por si só, que me invade o quarto e arrebata o sono
Há gente que gosto depois das torradas e por vezes mesmo durante
Há virtualmente coisas que nem suponho a tratarem de mim
Há revoltas que abandonei e segredos que não conto
Há vidas que não vivi e no entanto sei-as tão bem como vizinhas
Há ilusões à solta para todos os gostos e passo-as sempre ao lado
Há um país estrangeiro e alguns turistas a quererem ser nacionais
Há ainda a fé da Fátima mandando fazer uma vela da minha altura
Há aquela vontade sórdida de estrangular polícias de trânsito zelosos
Há a herança cultural de Camões e os afoitos posteriores vendilhões
Há o Pessoa bom carapau no Chiado e Cesariny aos gritos no Bairro Alto
Há Cesário chorando Lisboa e putas fazendo muito mais dinheiro
Há merdas que nos ultrapassam e não deixamos de ser um povo
Há um povo por vezes de merda que deixa que tudo o ultrapasse
Há sempre o silêncio e um copo de aguardente com alguns amigos
Há sardinhas muito mais caras e um novo buraco expedito para fazer petróleo
Há uma santa pachorra nos observadores para verem que ainda estou vivo
Há uma alargada sacra-emocional visão de todos os que amo e gosto
Há quase um júbilo cristão nesta trapalhada toda
Há uma absolvição para a treta judaica da actualidade
Há uma bebedeira conjunta a que convido todos os muçulmanos
Há um pendor de salvação última por via do medronho que se acanha
Há uma terna benção lançada sobre minha mãe que dormindo vai morrendo
Há uma praga que rogo a todos os poderosos como coisa eficiente
Há felizmente o gin-tónico clássico sem mariquices a mais
Há o chuveiro de duche mental da minha alta fidelidade ao fim da tarde
Há sacrossantas cervejas diapasão para o tom certo da mente
Há mulheres que me lembram impotência sem saberem sequer o porquê
Há alegria em estado bruto por via das dúvidas eternas e mais cepticismos
Há talvez um tiro guardado na gaveta para o momento em que direi “já chega”
Há uma redenção divina para fazer manguitos celestiais ao juiz posteriormente
Há uma vontade de viver que me sai dos dentes que não tenho

a caminho da vida que ainda nunca vivi sem dentes afinal...