Há aquele “ping” inicial do Echoes do Meddle dos Pink Floyd
que me começa a arrepiar
Há portanto a geração catastrófica e caoticamente bela, à
qual pertenço por esse facto
Há a tristeza nos teus olhos de mel que me traz lágrimas
prontas
Há o sorriso da minha gata pela manhã que me faz lavar os
dentes
Há a monotonia das ondas do mar que mesmo contrariado me
embala
Há o Sol, esse mesmo por si só, que me invade o quarto e
arrebata o sono
Há gente que gosto depois das torradas e por vezes mesmo
durante
Há virtualmente coisas que nem suponho a tratarem de mim
Há revoltas que abandonei e segredos que não conto
Há vidas que não vivi e no entanto sei-as tão bem como
vizinhas
Há ilusões à solta para todos os gostos e passo-as sempre ao
lado
Há um país estrangeiro e alguns turistas a quererem ser
nacionais
Há ainda a fé da Fátima mandando fazer uma vela da minha
altura
Há aquela vontade sórdida de estrangular polícias de trânsito
zelosos
Há a herança cultural de Camões e os afoitos posteriores
vendilhões
Há o Pessoa bom carapau no Chiado e Cesariny aos gritos no
Bairro Alto
Há Cesário chorando Lisboa e putas fazendo muito mais
dinheiro
Há merdas que nos ultrapassam e não deixamos de ser um povo
Há um povo por vezes de merda que deixa que tudo o ultrapasse
Há sempre o silêncio e um copo de aguardente com alguns
amigos
Há sardinhas muito mais caras e um novo buraco expedito para
fazer petróleo
Há uma santa pachorra nos observadores para verem que ainda
estou vivo
Há uma alargada sacra-emocional visão de todos os que amo e
gosto
Há quase um júbilo cristão nesta trapalhada toda
Há uma absolvição para a treta judaica da actualidade
Há uma bebedeira conjunta a que convido todos os muçulmanos
Há um pendor de salvação última por via do medronho que se
acanha
Há uma terna benção lançada sobre minha mãe que dormindo vai
morrendo
Há uma praga que rogo a todos os poderosos como coisa
eficiente
Há felizmente o gin-tónico clássico sem mariquices a mais
Há o chuveiro de duche mental da minha alta fidelidade ao fim
da tarde
Há sacrossantas cervejas diapasão para o tom certo da mente
Há mulheres que me lembram impotência sem saberem sequer o
porquê
Há alegria em estado bruto por via das dúvidas eternas e mais
cepticismos
Há talvez um tiro guardado na gaveta para o momento em que direi
“já chega”
Há uma redenção divina para fazer manguitos celestiais ao
juiz posteriormente
Há uma vontade de viver que me sai dos dentes que não tenho
a caminho da vida que ainda nunca vivi sem dentes afinal...
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